sábado, 30 de outubro de 2010

Jornalismo – As diversas faces de uma profissão

O fazer jornalístico é cercado de dilemas: linha editorial, pressão do tempo, objetividade, submissão aos interesses dos superiores – ou aos próprios. Sempre que a qualidade do trabalho dos jornalistas é questionada, tais argumentos são levantados, como acusação ou como defesa dos produtores de notícias.
Vários estudos já foram realizados acerca da rotina e do ambiente de trabalho dos jornalistas, e sobre como eles interferem no trabalho realizado por eles.


A realidade sufocante das grandes mídias, com altos interesses comerciais, publicação diária - às vezes mais de uma ao dia -, onde o tempo não pára e os jogos de interesse acompanham o ritmo, se tornou conhecida de todos, e em meio a esse show, os jornalistas ficaram conhecidos por alguns papéis: a celebridade, o “fofoqueiro” que preenche espaços com especulações, o “jabazeiro” que enaltece ou ataca figuras em troca de algo, ou o despreparado, que não sabe do que está falando e se justifica pela falta de tempo.


Mas o que acontece quando o trabalho jornalístico está livre da pressão do tempo e dos interesses comerciais? Isso o torna mais qualificado?


Na redação do pequeno jornal impresso Edição do Brasil, publicado em Belo Horizonte e em Brasília semanalmente há 27 anos, não há correria ou discussões calorosas sobre o que entra ou não na pauta. É um jornal de um homem só, Artur Luiz Ferreira, dono do jornal, é quem pensa e produz as pautas, que já chegam com todas as orientações, por e-mail, aos repórteres, que apuram e redigem a notícia.


O espaço de tempo entre as publicações garante certa tranqüilidade aos jornalistas, já que eles não têm que escrever grandes reportagens ou matérias temáticas, todas as notícias do jornal são breves. A edição também não é alvo de muitos anúncios publicitários, o que poderia ser visto como um pouco mais de “liberdade” para os profissionais da área, mas ainda sim são submetidos a certos interesses, às vezes até maiores do que os da grande mídia, por ser um veículo comandado por um único homem e não abranger um grande número de leitores.


O jornalista Israel do Vale, que trabalha na área há 23 anos, já exerceu diversas funções dentro da profissão, desde redator, repórter, colunista, editor e diretor. Ele conta que dentre todas elas, a mais marcante para sua carreira foi ser repórter. Segundo ele a reportagem desenvolve várias técnicas, dá discernimento para dizer o que importa e o que não importa de tudo que foi apurado, e ensina, através da experiência, como se aproximar das fontes e saber quais são confiáveis ou não.


A vasta experiência do jornalista é decorrente dos grandes meios de comunicação pelo qual passou. TV Brasil, Rede Minas, Folha de São Paulo, O Tempo, O Estado de São Paulo e Veja são apenas algumas das passagens de sua carreira e também a razão por ter desistir de trabalhar com as grandes mídias pelo jogo de forças e das fogueiras de vaidades que existem nos bastidores do meio. “Eu não sei se eu tenho mais estômago para ficar no dia-a-dia de uma grande mídia. A verdade é que eu não acredito mais nesse modelo da grande imprensa, eu acho que ele está ruindo”, declara o jornalista.


Com a chegada da internet os jornalistas não dependem mais de um veículo para divulgar as notícias, na verdade, ninguém mais precisa de um veículo. Aqui está a grande questão. Todos podem se tornar produtores e distribuidores de informação na internet. A abundância de agências de notícias, sites "informativos" e facilidades de acesso às fontes vêm afetando a alma do jornalismo. Todos agora são ‘jornalistas’. Eis que surge um impasse, o mesmo que fez com que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fosse favorável à queda do diploma jornalístico, a baixa qualidade da informação, que se nivelou ao conteúdo oferecido por pessoas que não são formadas em jornalismo.


Os próprios leitores estão mais exigentes com o conteúdo disponibilizado nas grandes mídias. Os donos dos veículos de comunicação têm que tomar, cada vez mais, cuidado com o que é publicado, e principalmente, na forma como é publicado. Os interesses das empresas ainda sustentam a base jornalística, mas ela aparece, muitas vezes, de maneira implícita.


A tendência, que na verdade já está sendo seguida, é trabalhar com a segmentação da informação, desfazendo da imagem do jornalista generalizado, que “tem o dever” de saber de tudo um pouco. Vale é favor da comunicação como via de mão dupla e acredita que, cada vez mais, vão aparecer grandes especialistas que não tem o menor vínculo com o jornalismo, que não passaram pelos cursos de comunicação, mas que vão ter mais pertinência para falar de determinados assuntos, porque eles têm a referência prática que um jornalista nunca vai ter na sua condição de especialista em generalidades. “O legal da comunicação segmentada é que você cria níveis de especialização, em partes. Você fala para um público específico, que tem interesses específicos, e que vai buscar criar laços de relacionamento porque aquilo é realmente útil para o dia-a-dia dele”, afirma.


Se por um lado Israel do Vale aposta na mídia segmentada como uma maneira de resgatar a humanidade quase inexistente nos meios de comunicação de massa, Ferreira acredita que é dever do jornalista estar em contato com diversas áreas para atingir um número maior de leitores. Apesar do jornal Edição do Brasil ser uma empresa de pequeno porte, ele não segmenta sua informação, simplesmente segue o modelo das grandes mídias, porém com um número reduzido de exemplares, leitores e funcionários.


O fato de se trabalhar num veículo de comunicação menor tem suas vantagens, mas isso não quer dizer que o jornalista está livre dos interesses que rondam a empresa, pelo contrário. No Edição do Brasil, por exemplo, a função da escolha da notícia cabe ao dono do jornal, que seleciona as notícias de acordo o que lhe é conveniente. De fato é esse o papel de um jornal? Todo mundo sabe que não, mas a diferença entre o Edição do Brasil e os veículos de grande porte é a maneira como assumem seus interesses. O primeiro pode assumir e explicitar seus objetivos, enquanto os outros escondem suas façanhas atrás de um discurso mal elaborado, mas, para muitos convincente.


Mesmo nos veículos de comunicação públicos, onde existe maior liberdade de atuação, há limitações quanto às questões que ferem os interesses estatais. O cenário do pólo jornalístico certamente irá se modificar, devido às tecnologias, que permite inúmeras variações de informação e segmentação. O leitor está cada dia mais exigindo uma posição do jornal que assina, e o tabu da imparcialidade vem se desmascarando com o tempo.
A aproximação entre o papel do cidadão e o papel do jornalista em sociedade é fundamental para que se compreenda e desmistifique a questão da ética no jornalismo. Por que? Simplesmente pelo fato de que o jornalista não deveria aceitar algumas situações que não aceitaria enquanto cidadão. Ou seja, o jornalista não tem uma ética própria. Trata-se de um mito. Aquilo que o afeta, como jornalista, deve afetá-lo, antes de mais nada, como cidadão. O sentir-se cidadão deveria funcionar como termômetro para suas ações e seus julgamentos.
De uma forma ou de outra, cabe ao profissional determinar qual caminho lhe é mais adequado, sempre baseado nos princípios e valores que levam consigo e nos objetivos que quer alcançar. A idéia do jornalismo como profissão romantizada não existe mais, mas isso não quer dizer que ela deixou de encantar muita gente e muito menos exercer uma função importante na sociedade. Como em toda área, no jornalismo há mal profissionais, mas há também os qualificados, íntegros, que seguem o bom senso. Uns se libertam dos interesses das grandes empresas, outros se submetem a ela por opção ou falta dela. De todo jeito o impasse e a crítica quanto ao fazer jornalístico sempre existiram e continuarão existindo pelo peso e responsabilidade agregado à profissão. Mas, novamente, cabe ao profissional escolher o tamanho da cruz que vai carregar.


CLARA MACHADO E DANIELA FIGUEIREDO

































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